quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Electricidade condensada

O condensador teve uma enorme importância na TSF. Quer indirectamente, pelo seu contributo para o desenvolvimento da electrotecnia, quer directamente, como peça fundamental dos circuitos oscilantes. Durante muito tempo, os condensadores eram usados para armazenar a energia necessária à produção de faíscas. Mesmo após o aparecimento de outros métodos de geração de altas frequências, como as válvulas ou os dinamos, a descarga de condensador foi usada durante muito tempo nos emissores de TSF de maior potência.
Em 1923, Ernest Coustet conta no seu livro "L'Électricité" uma interessante história sobre esta descoberta:

“Os globos de vidro de que se serviam os físicos do seculo XVIII para produzir electricidade não davam ainda senão descargas fracas, e o dedo do operador que provocava a faísca sentia apenas uma ligeira picada. O choque eléctrico era desconhecido até 1746. Por esta altura, Musschenbroek, professor de física em Leyden, quis electrizar a água contida num frasco de vidro. Segurando este com a mão direita, mergulhou no líquido uma haste de latão ligada a uma máquina de globo de vidro. No momento em que tenta tirar uma faísca da haste, aproximando a mão esquerda, sentiu-se subitamente atingido com tal violência que teve, disse ele, «todo o corpo abalado como por um raio». Todos os assistentes repetiram esta experiência e todos receberam um formidável choque. Em França, o abade Nollet propõe fazer sentir o choque simultâneamente a diversos sujeitos. Uma companhia de guardas franceses, composta por cento e quarenta soldados alinhou de mão dada em frente ao palácio de Versalhes, em presença do rei e da corte. Nollet coloca-se num dos extremos desta cadeia humana; um soldado, no outro extremo, segura a garrafa electrizada: quando o abade vai a tocar o fio de ferro que mergulha na garrafa, a comoção foi imediatamente sentida por todos.”

Como era divertida a vida na corte francesa no século XVIII. Que espectáculo não devia ser, ver 140 magalas de mão dada a apanhar um esticão!

Bevis, um astrónomo inglês, estudou e compreendeu a experiência de Leyden e fez modificações no frasco de Leyden até este ter a configuração que hoje lhe associamos:

1. a água era apenas um condutor, uma das armaduras do condensador, e foi substituida por folhas de ouro ou de prata às quais se ligava uma haste metálica que saía da garrafa.

2. a mão do experimentador era também um condutor, a outra armadura do condensador. Foi substituida por uma folha de estanho a recobrir o frasco.

A estação de TSF da torre Eiffel, o principal meio de investigação e desenvolvimento da TSF em França nas primeiras décadas do séc. XX, utilizava uma bateria de frascos de Leyden para "reforçar a energia da descarga".

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A faisca oscilante

O oscilador de Hertz é um circuito RLC com fraco factor de amortecimento. O condensador é constituido pelas duas grandes esferas, ou por duas placas metálicas como também chegou a usar, e a indutância é apenas a dos segmentos das hastes metálicas em série com arco entre os faiscadores. A resistência é também a dos segmentos metálicos juntamente com a do arco. O enrolamento secundário da bobine de Ruhmkorff tem uma impedância elevadíssima e na prática não afecta o circuito oscilante, apenas serve para fornecer a carga do condensador.
Mas como sabia Hertz que o seu faiscador iria produzir correntes oscilatórias de alta frequência?

Desde 1856 que Lord Kelvin tinha demonstrado teoricamente que a descarga de um condensador era oscilante, e tinha já apresentado a famosa fórmula de Kelvin para calcular a sua frequência, em função da capacidade e da indutância do circuito. Alguns anos mais tarde Feddersen monta uma belíssima experiência com a qual demonstra o carácter oscilatório das faíscas obtidas por descarga de condensador.
Édouard Branly, um outro grande precursor da TSF, descreve no seu livro "Lá télégraphie sans fil" de 1922 a experiência de Feddersen:
"Em 1860, Feddersen, fazendo reflectir num espelho rotativo M uma faísca E de descarga de condensador, oferece, pela primeira vez, uma demonstração experimental precisa e incontestável do carácter oscilatório da corrente eléctrica de descarga de um condensador. A faísca era vertical e deflagrava no ar (fig. 31). O eixo de rotação OO' do espelho rotativo era vertical como o espelho M. A imagem da faísca, recebida num écran P, era igualmente vertical e espalhada horizontalmente, perpendicularmente ao traço luminoso. Recebida sobre uma chapa fotográfica e revelada, esta imagem, em vez de formar um rasto luminoso contínuo, exibia ao longo do seu comprimento um pequeno número de bandas luminosas equidistantes, separadas por bandas escuras. Havia portanto várias descargas, dando lugar a faíscas distintas; a persistência das impressões no nosso olho fazia vê-las em contínuo, quando não havia recurso ao espelho rotativo. A fotografia indicava, pelo aspecto das bandas, que elas partiam alternadamente, de uma e depois da outra, das bolas do faíscador. As correntes mudavam portanto alternadamente de sentido e, tal como as bandas luminosas, diminuiam rapidamente de intensidade. "
Foi este o importante passo experimental dado para se conseguirem obter correntes oscilatórias de alta frequência, que iriam ser necessárias para a produção de ondas electromagnéticas. Durante anos, as faíscas foram usadas como principal meio de geração de alta frequência, mesmo muito depois do aparecimento da válvula electrónica e da telefonia sem fios.

Por curiosidade, dadas as fracas capacidades usadas por Hertz nos seus osciladores as frequências que obteve variavam entre os 50 e os 500 MHz. Estas frequências tão altas que possuíam comprimentos de onda à escala de um laboratório, foram essenciais para a verificação das propriedades das ondas eléctricas.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O início

O ponto de partida desta viagem faz-se pela mais fundamental de todas as descobertas da TSF: a onda electromagnética. Esta já havia sido teoricamente prevista em 1873 por Maxwell, mas até 1885 a sua existência nunca havia sido experimentalmente verificada.

Paul Berché, no seu livro "Pratique et Théorie de la T.S.F." de 1934 diz-nos o seguinte sobre Hertz e as suas experiências:
"Henrique Hertz, Físico alemão (1857 - 1894). Técnico consumado, Hertz faz-se notar muito jovem por uma habilidade experimental prodigiosa. Aos 23 anos torna-se assientente de Helmholtz, <...>. Em 1885, Hertz é nomeado, aos 28 anos, professor de física na Universidade de Karslruhe. Mal tinha o novo professor começado o seu curso, e uma manhã os seus alunos encontraram a porta do anfiteatro de física fechada; um cartaz anunciava a reabertura do curso para daí a quinze dias. Hertz havia mandado esvaziar o anfiteatro e mantinha-se lá fechado dentro: tinha acabado de produzir ondas electromagnéticas de 50 centímetros de comprimento de onda e estudava dia e noite as maravilhosas radiações cuja existência acabava de lhe ser revelada e que viriam mais tarde a ter o seu nome. Na reabertura do curso, Hertz comunica o resultado das suas pesquisas aos seus alunos entusiasmados e repete perante eles as experiências entretanto tornadas clássicas. Conta-se que os superiores de Hertz julgaram de forma severa a maneira um pouco cavaleira como o jovem professor interrompeu de sua própria autoridade, com fim de pesquisas pessoais, o curso de que estava encarregado."

Embora o seu interesse fosse meramente científico (diz-se que Hertz não encontrava aplicação prática para as ondas electromagnéticas) este homem havia inventado um método para as produzir, chamado o excitador de Hertz, e também o seu primeiro detector, o ressoador de Hertz. A estes aparelhos, havemos de voltar mais tarde no decurso desta viagem.
Para já, fica a breve descrição que Berché faz do excitador de Hertz:
"O secundário de uma bobine de indução B é ligado a um sistema de duas esferas S e S' de uma trintena de centímetros de diâmetro, fazendo o papel de "acumuladores de electricidade", de condensador se preferirem. Estas duas esferas distantes de 1m a 1m50 são ligadas a duas pequeas bolas s e s' por duas hastes rectilineas.
Quando a bobine B é colocada em operação, a ruptura da corrente primária provoca a acumulação de electricidade nas esferas S e S' até que a diferença de potencial, <...> entre s e s' seja suficiente para que salte uma faísca."

A faísca eléctrica era assim o meio gerador das correntes de alta frequência, necessárias para produzir ondas electromagnéticas. Aqui Hertz apoiou-se naturalmente em trabalhos anteriores de outros cientistas, alguns dos quais iremos ainda encontrar.

Durante estas experiências, Hertz demonstra que as novas ondas eléctricas tinham propriedades de propagação, interferência, reflexão, refracção e difracção em tudo semelhantes à da luz, confirmando completamente as previsões de Maxwell.

A TSF não havia ainda nascido, mas o meio que lhe iria servir de suporte já era conhecido